Inicia-se esta semana uma nova avaliação do programa da troika, deslocando-se uma missão ao nosso país. Esta visita ocorre pouco tempo decorrido depois de ter sido aprovado o mais duro programa de austeridade que o país já conheceu e que teve como resultado mais imediato e mais dramático uma verdadeira explosão do desemprego. Ocorre igualmente num quadro de intensificação brutal da crise da dívida, com desenvolvimentos na Grécia e em Espanha, com consequências que se podem tornar imprevisíveis para o país e para o próprio futuro da União Europeia. Importa fazer uma análise sobre o balanço de um ano decorrido sobre um programa apresentado como de "ajustamento", sobre as suas implicações e sobre as medidas que a CGTP-IN considera serem de emergência para evitar uma maior deterioração da situação que vivemos.
1. Um ano de troika e de política do Governo do PSD-CDS
A CGTP-IN procedeu a um balanço da aplicação dos programas da troika e do Governo do PSD/CDS. Um ano volvido, para além do ataque à soberania e à democracia, temos:
- O país em recessão, a dívida pública poderá atingir 117% do PIB em 2013, o financiamento da economia continua estrangulado e o crédito mal parado aumentou em mais de 40%;
- A destruição de mais 204 mil empregos, o desemprego a atingir mais de um milhão de trabalhadores, mais de um em cada três jovens estão no desemprego, a emigração intensificou-se e reduziu-se a protecção social no desemprego;
- Portugal como um país de salários cada vez mais baixos, o salário mínimo continua congelado e a maioria das convenções colectivas não é revista; a consolidação de um modelo de competitividade baseado em salários baixos e direitos mínimos irá comprometer o desenvolvimento do país.
- A redução dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores através da alteração da legislação de trabalho no sector privado e na Administração Pública;
- Cortes nas funções sociais (segurança social, saúde, educação) com consequências na diminuição da protecção social, na degradação dos serviços públicos e com fortes restrições no direito ao seu acesso (como o aumento de mais de 100% nas taxas moderadoras e a redução de comparticipação nos medicamentos);
- A Administração Pública fortemente atacada com a imposição de medidas deliberadamente destinadas à redução dos seus recursos, a provocar a privatização de serviços, a degradar a sua qualidade e a provocar o desemprego dos trabalhadores;
- O agravamento das injustiças e das desigualdades sociais.
A política de austeridade é responsável pela situação actual. A aplicação de medidas de austeridade na generalidade dos países da UE tem como consequência directa a recessão na zona do euro. As previsões da Comissão Europeia apontam para uma recessão (-0,3%) em 2012 nesta zona; antevê-se a baixa do PIB, para além de Portugal, na Grécia, Espanha, Itália, Holanda, Chipre e Eslovénia. Alguns dos países que mais contribuem para as exportações portuguesas estarão, em 2012, em recessão (como a Espanha, onde se prevê que abranja também 2013) ou terão um baixo crescimento (Alemanha e França).
2. Aumento do desemprego
A destruição de empregos e o aumento do desemprego constituem os dois aspectos mais marcantes da crise actual. No espaço de um ano perderam-se mais de 200 mil postos de trabalho, tendo sido especialmente atingidos os serviços, com menos 102 mil empregos, mas a indústria perdeu igualmente empregos. A diminuição de emprego, que remonta ao 2º trimestre de 2008, irá intensificar-se este ano (-3,3% segundo as Previsões da Comissão Europeia). Se esta previsão se confirmar, a destruição de emprego em apenas dois anos (2011 e 2012) excede os 300 mil, a que há a juntar os que foram eliminados em 2009 e 2010 (220 mil).
Daqui resulta uma verdadeira explosão da taxa de desemprego (14,9% no 1º trimestre deste ano), apesar das indicações de que a emigração está a disparar e da redução da taxa de actividade. Estamos perante uma verdadeira catástrofe.
Fonte: INE e Governo (Documento de Estratégia Orçamental)
O volume de desemprego vai depender da evolução da situação económica: não apenas do fim da recessão mas também de um crescimento que seja significativamente elevado para permitir a redução da taxa de desemprego. As previsões constantes da Documento de Estratégia Orçamental (ver gráfico) são pouco credíveis. Apresentam um quadro cor-de-rosa para o crescimento (2,4% em termos médios entre 2014 e 2016) e para o desemprego. Mesmo com previsões tão optimistas a taxa de desemprego ainda se situa em 12,1% em 2016.
Fonte: INE e Governo; 2012 a 2016 = previsões
O factor determinante para a descida do desemprego é a criação de postos de trabalho. Crescimento económico e emprego são realidades que estão fortemente associadas: em períodos de recessão o emprego tende a cair e o contrário tem vindo a acontecer quando as condições económicas melhoram. Apesar de tal não ter acontecido em 2010, num ano em que o PIB cresceu 1,4%, ainda assim se constata que a diminuição do emprego (-1,5%) foi menor que a verificada no ano anterior (-2,5%).
Fonte: INE
3. A redução da cobertura das prestações de desemprego
O aspecto crucial da presente situação é o de estarmos perante um progressivo enfraquecimento da protecção social no desemprego (com normas nesse sentido que remontam a 2006) num contexto de agravamento brutal do desemprego, o qual não se reduzirá substancialmente nos próximos anos.
Verifica-se um forte declínio na cobertura das prestações de desemprego desde meados de 2010, em resultado das alterações ao regime da protecção social no desemprego, da alteração das condições de acesso às prestações sociais não contributivas e da eliminação das medidas reforço da protecção social no contexto das medidas de estímulo à economia (melhoria da procura interna) para combater os efeitos da recessão global. A cobertura é medida em relação ao desemprego registado, o qual é inferior ao desemprego global, mas o que importa aqui ilustrar é a tendência de diminuição que o gráfico evidencia.
Fonte: MSSS e IEFP
4.Propostas da CGTP-IN
A CGTP-IN considera que o crescimento do desemprego exige por si só a alteração das políticas económicas e a adopção de medidas de emergência. Por isso, propõe um programa estruturado em quatro eixos essenciais: a) a orientação geral das políticas económicas que devem privilegiar o crescimento e o emprego; b) o combate ao desemprego, o que exige a não promulgação do Código de Trabalho; c) medidas de estímulo à procura interna e de apoio ao financiamento da economia; d) medidas de reforço da protecção social.
- A orientação geral das políticas económicas que devem privilegiar o crescimento e o emprego
A política actual tem efeitos não só desastrosos no tecido produtivo, no aumento do desemprego e no agravamento das condições de vida como contraproducentes do ponto de vista orçamental porque a recessão está a provocar a baixa dos impostos indirectos, a queda das contribuições para a segurança social e a um aumento da despesa - por mais que o Governo, tome medidas injustas para a restringir, haverá cada vez mais desempregados a requerer prestações de desemprego e mais famílias em situação de necessidade. Hoje mesmo, os defensores da austeridade, um pouco por toda a Europa, pressionados pela luta dos trabalhadores, são forçados a reconhecer que foram demasiado longe. Mas basta de retórica. É necessária uma efectiva mudança na orientação das políticas económicas.
Para que isso aconteça é preciso que o objectivo da redução do défice público não ponha em causa o crescimento e o emprego. A CGTP-IN defende a renegociação da dívida no sentido de que devem ser revistos o prazo de redução do défice orçamental, a redução dos custos de financiamento, a discussão dos montantes e a trajectória de diminuição da dívida pública.
- O combate ao desemprego, exige a não promulgação do Código de Trabalho
Travar a destruição de empregos e a precariedade que alimentam a subida contínua do desemprego constitui uma prioridade. Não é compreensível que alguns dos que dizem ser o desemprego uma calamidade, não façam corresponder com actos as suas palavras. Por isso, a CGTP-IN defende que o Presidente da República não promulgue as alterações ao Código de Trabalho e faça respeitar a Constituição e o princípio do trabalho digno definido pela OIT, ao qual o Estado português aderiu.
- Medidas de estímulo à procura interna e de apoio ao financiamento da economia
São necessárias medidas para estimular a economia, o que exige desde logo, dinamizar o sector produtivo (indústria, agricultura e pescas) e sustentar a procura interna. As medidas mais urgentes passam por: aumento do salário mínimo; evolução dos salários através de medidas para o desbloqueamento da contratação colectiva e a publicação de portarias de extensão; redução dos chamados custos de contexto; facilitação do acesso ao crédito para as micro, pequenas médias empresas. É também necessário o desagravamento do IVA na restauração.
- Medidas de reforço da protecção social
O desemprego abrange hoje mais de um milhão de desempregados. Ainda que existam situações diferentes diversas (desempregados no sentido restrito do termo, procura de primeiro emprego, procura de novo emprego, inactivos à procura de emprego, pessoas subempregadas) torna-se necessário que os poderes públicos não sejam indiferentes a esta realidade (muito menos que apenas a vejam na perspectiva da redução de custos) antes concebam políticas que conjuguem:
- A política económica, para criar empregos e diminuir o nível de desemprego;
- A protecção social no desemprego, incluindo o subsídio de desemprego e o subsídio social de desemprego;
- A segurança social no âmbito da Protecção Social de Cidadania, de modo a que nenhum desempregado em situação de carência económica fique sem apoio, mobilizando outros instrumentos como o rendimento social de inserção e, em última instância, a acção social. Neste contexto, a CGTP-IN defende: a melhoria das acesso às prestações sociais não contributivas, através da revisão do Decreto-Lei nº 70/2010 de 16.6, em particular no que respeita à condição de recursos, ao conceito de agregado familiar e à capitação de rendimentos; a não promulgação pelo Presidente da República de medidas que diminuem os direitos à segurança social, em particular no que respeita ao rendimento social de inserção.
No âmbito do segundo vector (a protecção social no desemprego) a CGTP-IN defende que, sem prejuízo da necessidade de rever o regime do subsídio de desemprego, são necessárias medidas urgentes para evitar que os desempregados esgotem o subsídio e fiquem sem rendimento. Por isso, entende ser urgente o alargamento do subsídio social de desemprego.
O subsídio social de desemprego insere-se no âmbito da Protecção Social de Cidadania pelo que é financiado por impostos e não por contribuições sociais. Torna-se pois necessário reforçar as transferências do Estado para este subsistema. Estas transferências devem ser apoiadas em meios adicionais, obtidos através da contribuição de rendimentos que escandalosamente têm escapado ao esforço de consolidação orçamental. Não há pois recurso a contribuições sociais. A proposta da CGTP-IN reforça a segurança social sem pôr em causa a sua sustentabilidade.
Alargamento do subsídio social de desemprego
a) Condições de acesso
Durante o período de crise o subsidio social de desemprego deve ser alargado a todos os trabalhadores em situação de desemprego que não tenham acesso ao subsidio de desemprego, bem como a todos os desempregados que esgotam o prazo de atribuição do subsídio de desemprego e preencham as condições de acesso ao subsidio social de desemprego. Estas condições de acesso serão as seguintes:
- O prazo de garantia para acesso ao subsídio social de desemprego inicial é de 90 dias com registo de contribuições num período de 6 meses imediatamente anterior ao desemprego;
- A condição de recursos para acesso ao subsídio social de desemprego é definida em função dos rendimentos mensais per capita do agregado familiar do requerente, que não devem exceder 110% do valor da retribuição mínima mensal garantida;
- Para este efeito, o agregado familiar é composto pelo próprio requerente, seu cônjuge ou pessoa em união de facto, bem como pelos descendentes, ascendentes ou afins que com ele vivam em comunhão de mesa e habitação, desde que se encontrem na sua dependência económica;
- O montante do subsídio social de desemprego a atribuir é de 110% da retribuição mínima mensal garantida para beneficiários com agregado familiar e de 100% da retribuição mínima mensal garantida para beneficiários isolados:
- Previsão da possibilidade de prolongamento da atribuição do subsidio social de desemprego, por períodos sucessivos, enquanto durar a situação de crise económica e financeira e as taxas de desemprego se mantiverem elevadas, de modo a evitar que os trabalhadores desempregados, nomeadamente aqueles com longas carreiras contributivas, fiquem privados de quaisquer rendimentos.
b) Financiamento
Os instrumentos que poderão ser equacionados para encontrar os meios adicionais necessários para financiar o acréscimo de encargos nas políticas sociais, não deverão afectar a economia, mas sim incidir sobre rendimentos que, no essencial, têm escapado escandalosamente ao pagamento de impostos. Neste sentido importa ter presente:
- O reforço do combate à evasão, fraude fiscal e economia paralela: São conhecidos os montantes elevados que o Estado deixa de receber devido à grande importância da economia paralela, estimada em 25% do PIB. Essas receitas são muito elevadas (são calculadas tendo em conta o valor do PIB, a incidência da economia paralela e o peso dos impostos no PIB) que não são anualmente cobradas rondarão os 15 mil milhões de euros e, na hipótese de o Estado poder recuperar apenas ¼ desse valor, isso significa que estaremos a falar de montantes anuais para as receitas adicionais da ordem dos 3,7 mil milhões euros. A CGTP-IN propõe assim que se fixem metas quantificadas para a recuperação de receitas fiscais de modo a serem afectadas, nomeadamente, ao financiamento das medidas de melhoria da protecção social no desemprego;
- Os rendimentos de capital sofreram ligeiras alterações, em particular, os rendimentos de mais-valias, de dividendos e do IRC. Assim, tomando por base os dados da CMVM (referentes aos anos de 2010 e 2011), verifica-se que os dividendos atingiram 5,6 mil milhões de euros; os lucros foram superiores a 12 mil milhões de euros e as transacções bolsistas atingiram em 2011 os 102,7 mil milhões de euros. Se houver vontade política haverá receitas adicionais oriundas dos dividendos, dos lucros, ou das transacções bolsistas, tais como:
- Medidas de aumento da taxa de IRS para rendimentos muito elevados;
- A criação de uma sobretaxa de imposto de 10% sobre os dividendos distribuídos, o que permitiria arrecadar (tendo em conta os elementos disponíveis referentes aos dois últimos anos) mais de 560 milhões de euros (muitos dos dividendos são transferidos para o estrangeiro não pagando imposto);
- A eliminação da isenção de pagamento de impostos que usufruem de cerca de 70% das mais valias em Portugal, sujeitando-as à taxa em vigor de 21,5%;
- A aplicação de uma taxa excepcional de quatro cêntimos por cada euro transaccionado na bolsa, durante o período da crise.
Numa altura em que tanto se apela à solidariedade e equidade, estes são exemplos de como, taxando quem mais pode e desincentivando a actividade especulativa, se pode dar resposta aos milhares de portugueses que atravessam situações dramáticas.