domingo, 20 de maio de 2012

Enriquecimento injustificado ou actividade depredadora? artigo de opinião de Jorge Pires Jornal Avante

Image 10457A divulgação recente de uma sentença que transitou em julgado no tribunal de Portalegre, referente a um contencioso entre um banco e os proprietários de uma habitação que, no decorrer do processo de divórcio, decidiram entregá-la ao banco, trouxe para o terreno mediático um problema gravíssimo que afecta centenas de milhares de famílias: o facto de terem entrado em incumprimento e terem deixado de pagar os empréstimos contraídos na banca com os quais adquiriram casa própria.

Este caso que está na origem da decisão remonta a Março de 2011. Teve origem num processo de divórcio em que ambas as partes assentaram que a dívida ao banco – referente a um empréstimo para compra de casa – era de 129 521 euros. De acordo com notícias vindas a público, o imóvel foi avaliado em 117 500 euros, correspondente ao empréstimo no momento da escritura, em 2006. O banco acabou por comprar o imóvel por 82 250 euros e reclama os restantes 46 358 euros ao casal que tinha contraído o empréstimo e que se referiam à diferença entre o valor da avaliação e o valor da compra. Foi esta reclamação que o juiz não validou. A decisão foi negativa para o banco mas não suficiente para deixar descansados todos aqueles que vivem hoje problemas semelhantes de incumprimento com os bancos.
Escreveu o juiz de Portalegre responsável pela sentença, que «há um enriquecimento injustificado» por parte dos bancos quando, após uma entrega da casa ao banco, num processo de «dação em pagamento», as instituições de crédito avaliam e adquirem a casa abaixo do valor dessa avaliação, exigindo como contrapartida a diferença entre o valor da avaliação e a venda ao próprio banco pelo preço estipulado por este último.
O que importa nesta sentença é que, pela primeira vez, há um juiz que diz não a esta pretensão de um banco impedindo que este sacasse mais-valias a que não tem direito e colocasse de novo a mesma habitação no circuito de venda com um novo empréstimo acrescentando lucro ao lucro já obtido anteriormente.
É verdade que a origem do problema que levou a esta sentença não é a mesma que afecta uma parte muito significativa dos mais de um milhão e 200 mil portugueses que adquiriram casa no Regime Geral, confrontados hoje com a impossibilidade de pagarem a prestação ao banco devido ao processo de empobrecimento a que estão a ser sujeitos, empurrando-os para uma situação de incumprimento. Mas a sentença em si é um grande avanço para a luta que é necessáriao travar contra a agiotagem na defesa das famílias em dificuldade. De acordo com notícias vinculadas pela comunicação social nas últimas semanas, 100 portugueses por dia deixam de pagar a prestação da casa ao banco, fazendo crescer de forma imparável o número de portugueses (cerca de 700 mil) que têm empréstimos em atraso, quer para a habitação quer para o consumo, evolução que nem a descida da taxa Euribor nas últimas semanas fez abrandar.

Lucros fabulosos e incumprimento

O crescimento exponencial do acesso das famílias ao crédito, particularmente no início da primeira década do novo milénio, por força da intensa pressão a que foram sujeitas por parte dos bancos, com a garantia de acesso ao dinheiro fácil, resultou de uma estratégia que o capital encontrou para compensar a não valorização dos salários e garantir assim níveis elevados de aquisição de casa própria e de consumo. Foi um grande negócio para a banca que obteve lucros fabulosos nunca atingidos anteriormente. Só na primeira década do milénio, os lucros obtidos foram de 24 mil milhões de euros, seis mil milhões dos quais distribuídos pelos accionistas dos bancos.
Se tivermos em conta que, no final de 2008, o número de contratos para a aquisição de habitação, na sua maioria para habitação própria e permanente, era de 1 653 807, que o saldo em dívida era de 93 333 milhões de euros e que as famílias pagam cerca de 2,5 a 3 vezes o valor do empréstimo concedido, não é difícil perceber o porquê de lucros tão significativos.
Não admira por isso que, numa altura em que as vendas de casas baixaram significativamente, os bancos procurem, para manter lucros elevados, não só não facilitar a vida aos portugueses que estão com muitas dificuldades em pagar os empréstimos, como ainda os penalizam por esse facto, como o aumento do valor das penalizações confirma. Mas é sobretudo no processo de avaliação e aquisição das casas entregues pelas famílias em situação de desespero que os bancos acrescentam lucros aos já obtidos com a mesma casa, em contratos anteriores.
Esta é uma situação dramática para milhares de famílias cujos rendimentos têm vindo a diminuir nos últimos dois anos e que de um momento para o outro são obrigadas a entregar a casa ao banco e a recorrer a um mercado de arrendamento que, caso seja aprovada a nova legislação, os vai penalizar ainda mais.
Mais do que enriquecimento injustificado, o que estes processos indiciam é uma actividade, que o regulador teima em não controlar, que se assemelha à dos predadores que perseguem activamente as suas presas e as matam para as comerem. Garantir a permanência às famílias na habitação que adquiriram recorrendo a empréstimos bancários e que hoje devido à situação económica e social se encontram em incumprimento, e garantir que em situação extrema com a entrega da casa fica saldada a dívida ao banco, são componentes essenciais de uma solução que urge encontrar.

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