O desporto popular encontra-se perante um grande desafio. Não é possível pensar na sua existência e afirmação como forma específica da prática dirigida à população trabalhadora e aqueles que possuem uma capacidade económica mais baixa, sem se conseguir uma relação preço/qualidade sem paralelo, nas suas actividades.
O raciocínio económico em torno do desporto popular surge, assim, com inteira evidência, como um processo capaz de desmistificar o problema da relação desporto-dinheiro, durante tantos anos considerada como tabu. A questão dos meios económicos é crucial para o desporto popular, naturalmente analisado em termos completamente diferentes daqueles que se devem utilizar para estudar as relações do espectáculo desportivo e do desporto profissional com o dinheiro.
O valor de mercado que se exprime no desporto popular traduz o custo que cada um investe nas funções que desempenha através do « trabalho gratuito». O «preço» da participação responsável constitui, por isso, o pilar económico central do desporto popular e traduz um sentimento de solidariedade e de afirmação pessoal dos dirigentes voluntários que constitui a única forma que este tipo de «mercado» pode assumir.
Esta perspectiva encontra pela frente um conjunto de obstáculos que, no fundo, constituem a explicação para as dificuldades da sua difusão generalizada, mas que, por outro lado, estruturam a justificação plena da sua existência. Em primeiro lugar, deve considerar-se os fenómenos de exclusão que acentuam as antigas formas de segregação social do acesso às práticas. Largos sectores da população, em especial da população trabalhadora e jovem, encontra sérios obstáculos para se dedicar, com carácter regular, a qualquer tipo de actividades físico-desportivas.
Por outro lado, o movimento de diversificação das práticas e a própria pulverização das formas convencionais num conjunto de cada vez mais alargado parece só poder contar com a resposta dos indivíduos e camadas sociais com forte capital económico e cultural. Sabe-se, através dos vários trabalhos disponíveis que, em vários países, as novas práticas, ou as novas formas das antigas actividades, são acessíveis unicamente aos elementos oriundos da média e alta burguesia.
Mas, para além daquelas dificuldades económicas, o obstáculo central que se coloca à difusão das práticas populares é a da atitude do puro «consumismo» imposta pela lógica do sistema capitalista em que vivemos: a atitude cultivada pelo mercado, impulsionada pela publicidade, e inclusive na própria escola (alguns dizem, «principalmente na escola» pela atitude de transmissão não participada dos saberes e pelo conjunto de erros que comete) é a do consumismo. Aliás, assumindo, no presente, formas objectivas de consumo de «coisas» directamente relacionadas com a publicidade televisiva. Nestas condições, como conseguir levar a maioria a uma atitude contrária, responsabilizadora e activamente participada? A situação actual «empurra» esta maioria para o comodismo fácil de esperarem que tudo lhes chegue já «cozinhado», enquanto uma minoria esforçada se atola nos problemas, inclusive adquirindo vícios e hábitos que acabam por constituir mais alguns obstáculos para que aquela responsabilização possa estruturar-se (o aparecimento do «homem providencial», a formação de grupos antagónicos que se degladiam em lugar de cooperarem, etc.).
A relação custo/benefício do investimento financeiro do desporto popular encontra-se assim, indissociavelmente ligada a outra das suas questões fundamentais: a da participação activa e responsável que caracteriza aquilo que, no presente, se designa pela «nova cidadania». Evidentemente que estamos a falar do compromisso assumido pelo participante benévolo, quer se trate do dirigente, quer do técnico, quer do educador e do administrativo e também do praticante seja qual for a sua idade.
Esta situação deve ser bem compreendida, pois assume um carácter nuclear para o clube popular dentro do contexto global em que ele actua vencendo inúmeras dificuldades: o custo económico do funcionamento das actividades e a visão consumista de que já se falou, mas a que se deve juntar a falta de uma «concepção justa» da acção e a «lógica» da distinção provocadas pela cópia de modelos em função do prestígio social, agravada pela visão hegemónica da concepção federada da prática.
Esta «concepção justa» exige resposta a um conjunto de dificuldades: são os critérios orientadores da diversidade, da solidariedade, da convivialidade, da integração social, da vida democrática e de abertura plena à comunidade que determinarão os diferentes tipos de resposta.
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