Sem Pingo de vergonha
Mascarada como uma inédita campanha de marketing, a acção do Pingo Doce do primeiro dia do mês constituiu uma tão pensada, quanto miserável, operação política e ideológica. Uma operação concebida ao milímetro, articulada como os principais órgãos de comunicação social com particular destaque para o canal público de televisão, preparada para em torno dela potenciar o inenarrável cortejo de comentários, análises e sentenças sobre o que a coisa significava. Comandada pelo que o ministro Miguel Relvas determinou, incontestavelmente o verdadeiro director de informação da RTP, o telejornal desse dia encarregou-se de ampliar e sublinhar – não fosse a coisa resumir-se à mera exibição dos muitos empurrões e safanões com que a turba de consumidores se batia para controlar a prateleira mais à mão ou surripiar o carro de compras mais próximo – o que por antecipação se havia determinado: a tentativa de banalização da dimensão histórica e política de um dia – o 1.º de Maio – que muito para lá de se constituir como mais um feriado, carrega em si uma dimensão de classe e uma representação de afirmação e percurso da luta de emancipação dos trabalhadores, com o qual o capital não se conforma. Tudo o resto que também para ali se carreou de formatação ideológica à medida do que os tempos de exploração exigem – fosse a tão ridícula quanto patética apresentação da operação enquanto expressão da ajuda a necessitados ou (como se ouviu) de partilha dos que mais têm como os que menos têm naquilo que foi essencialmente um acto de indigna humilhação e exploração das dificuldades de muitos; fosse o que despertou e revelou em matéria de exacerbação de ganância de uns quantos; fosse ainda pelo que revelou de desprezo pela dignidade de terceiros e dos próprios – se pode considerar subsidiário. Por entre os mal disfarçados distanciamentos que, pela força dos factos, um ou outro membro do Governo vai ensaiando a pretexto de «dumping» económico, os que como Soares do Santos e o seu grupo económico fazem da exploração dos produtores, da ruína de milhares de comerciantes ou da fuga de capitais para o estrangeiro um verdadeiro «dumping» social diário, nada os anima mais do que atacar o valor do trabalho e a dignidade dos trabalhadores.u
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