terça-feira, 10 de julho de 2012

Sobre os últimos desenvolvimentos no sector da saúde



Num contexto político marcado pela subserviência face às imposições da troika internacional inscritas no Pacto de Agressão, cujas consequências no plano da saúde começam a ser dramáticas para centenas de milhares de portugueses, o governo desfere aquela que pretende ser a ofensiva decisiva contra o Serviço Nacional de Saúde e o direito constitucional à saúde para os portugueses, independentemente das suas condições sócio-económicas.
A desvalorização profissional e social dos profissionais de saúde, com particular destaque para os médicos e enfermeiros, que conheceu novo desenvolvimento com o lançamento de concursos para a contratação de serviços médicos, de enfermagem e de outros profissionais, em que o critério decisivo é o valor do custo/hora mais baixo, não é apenas o resultado de uma estratégia economicista, é fundamentalmente o resultado de uma opção que visa destruir o Serviço Nacional de Saúde.
Há muito que o PCP vem denunciando que o fim do vínculo público dos profissionais do SNS e a destruição das carreiras, associadas à desvalorização salarial, levaria à saída de muitos deles para o sector privado e para a reforma antecipada, como é o caso dos médicos, muitos deles profissionais de elevada qualidade e com um papel insubstituível no processo de formação de novos médicos, que começa a estar em causa. Não é por acaso que os grupos económicos detentores de grandes unidades hospitalares privadas que recrutam muitos destes médicos, vão fazendo subir o tom da exigência de poderem formar médicos nos seus hospitais, associada a uma outra reivindicação mais antiga de licenciamento de faculdades de medicina privadas.
O que o governo tem de fazer é, de acordo com o que está estabelecido na contratação colectiva, realizar concursos públicos nos vários estabelecimentos públicos de saúde para recrutar médicos e enfermeiros, e não recorrer sistematicamente a empresas de aluguer de mão-de-obra sem nenhuma garantia de qualidade e de direitos dos profissionais que contratam.
O que se está a passar por exemplo nos Cuidados Primários de Saúde, em que o governo pretende resolver a falta de médico de família para mais de um milhão de portugueses, através do “adormecimento” de centenas de milhares de utentes, expurgando-os das listas e pelo aumento ilegal do número de utentes por médico ultrapassando os 1550 acordado, em vez de abrir concursos de recrutamento para colocar jovens médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar. Este é mais um exemplo de uma política irresponsável e de desprezo pelos portugueses.
Perante esta situação não resta ao governo outra alternativa que não seja anular os concursos de recrutamento de médicos, enfermeiros e outros profissionais a empresas de mão-de-obra temporária, deixar de tratar a saúde como se tratasse de uma mercadoria e tomar medidas no sentido de recrutar os profissionais em falta nos serviços garantindo desta forma a qualidade necessária ao seu bom funcionamento.
Na política de saúde do actual governo, estamos perante um conjunto de opções programáticas e não conjunturais, ou seja, mesmo sem o pretexto da crise e o Pacto de Agressão, as opções do governo seriam do mesmo tipo, apenas os sectores e prazos poderiam ser diferentes – privatizar o essencial da prestação de cuidados de saúde, o que dá lucro, ficando o Estado com a promoção e o financiamento, o que dá prejuízo.
Se dúvidas pudessem existir sobre este objectivo, a transferência de cuidados para os privados em resultado do aumento dos custos para os utentes, do encerramento de cuidados de proximidade e da desorganização que se vive em muitas instituições públicas de saúde, elas estão dissipadas. No final do primeiro trimestre do ano, o presidente da associação de hospitais privados anunciou um crescimento de 15% nas idas às urgências nos hospitais privados, quando no mesmo período houve uma redução de 300 000 idas às urgências nos hospitais e Cuidados de Saúde Primários.
A campanha mediática de que era possível, em saúde, fazer mais e melhor com muito menos dinheiro, só apanhou desprevenidos os mais incautos, já que esta é uma tese há muito experimentada noutros países com resultados catastróficos para as populações.
Quando o primeiro-ministro propôs aos partidos da oposição que dissessem em que sectores da saúde e da educação pretendiam que o governo fizesse mais cortes para assim se encontrar uma receita alternativa ao roubo dos dois subsídios aos trabalhadores da Administração Pública, já sabia que desde o início do ano centenas de milhares de portugueses tinham deixado de recorrer aos cuidados de saúde, precisamente porque o seu governo, ao aumentar brutalmente as taxas moderadoras, ao retirar apoios ao transporte de doentes não urgentes, ao encerrar serviços e valências hospitalares e ao racionar a utilização dos meios fundamentais ao tratamento dos doentes, está a condenar à morte antecipada muitos portugueses.
Por muito que lhe custe ouvir é exactamente esta a questão que resulta das políticas do seu governo.
Uma política que nega o direito ao acompanhamento médico, que elimina ou reduz a dimensão preventiva e o acesso ao diagnóstico, que coloca em risco de vida e à falta de qualidade de vida de muitos doentes devido às restrições que o seu governo está a impor ao SNS.
Mas nós fazemos-lhe uma sugestão. Acabe com as PPP e só este ano poupa mais de 300 milhões, e acabe com a transferência de 600 milhões de euros da ADSE para os grupos privados e vai ver que poupará quase metade do equivalente ao roubo dos dois subsídios.
O PCP está solidário com a luta das populações e com a luta que os médicos, os enfermeiros e outros profissionais de saúde desenvolvem em defesa do SNS, das carreiras e da dignificação salarial e apela aos utentes que se associem a esta luta, nomeadamente a greve de dois dias convocada pelos sindicatos médicos com o apoio da Ordem dos Médicos, que também é sua, porque na génese desta luta e ao contrário da campanha mistificadora do governo, é também o acesso aos cuidados de saúde e a qualidade dos cuidados prestados que está em causa com a política do governo.

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